domingo, 5 de setembro de 2010

1924: São Paulo enfrentava racionamento e a pior seca da história


Vejam esse texto extraído de um documento da época, que mostra como a seca de 1924 foi grave na capital paulista, onde o abastecimento de água e energia entrou em colapso:


" Durante o primeiro quarto do século XX as explicações oficiais mais utilizadas para o fenômeno da escassez recorrente de águas na cidade foram o aumento da população em proporções vertiginosas e as sucessivas e prolongadas estiagens. De fato, São Paulo ultrapassou o Rio de Janeiro no censo industrial de 1920 e as estiagens eram recorrentes. No período de 1924-1925 a falta de chuvas foi muito severa, sendo que o índice pluviométrico atingiu apenas 900 m/m em 1924: “foi a seca mais forte ocorrida nestes últimos trinta e seis anos” (Revista Brasileira de Engenharia, 1926). “A estiagem de 1924 ligou-se a de 1925, produzindo esgotamento das represas da Light e da repartição de águas e ocasionando com isso os pavorosos dias que atravessamos no correr deste ano, que pusseram em sério risco a atividade pública, a atividade industrial, a vida da população, a higiene e a riqueza de São Paulo” (Prado, 1928). A estiagem de 1924-5 reduziu o volume de água distribuído a 90 milhões de litros por dia, ou seja 136 litros por habitante. A falta absoluta de água, quer para o consumo doméstico, quer para o consumo industrial teve como decorrência o “racionamento da provisão de água, a redução compulsória de fornecimento de energia, a diminuição da iluminação pública e particular, a quase paralisação da produção fabril, com a conseqüente restrição das horas de trabalho” (Santos, 1928a). Até o transporte público foi afetado pela redução do serviço de bondes.

Possivelmente este desequilíbrio das condições climáticas seria reflexo dos impactos da acelerada urbanização. A este respeito “O Jornal” do Rio de Janeiro, publicou matéria em 18/02/1925 sob o título: “A maior seca de São Paulo”, onde o naturalista Rodolpho von Ihering afirmou: “não se pode garantir que a devastação das florestas seja a causa principal, mas ninguém incide em erro se disser que ela é cúmplice no fenômeno” (apud Brito, 1926). O fato é que ocorriam aceleradas devastações de floresta na bacia do Tietê, praticadas “não somente para a cultura, como também para combustível” (Brito, 1926).

Com isto, a inquietação aumentava constantemente com o que parecia ser um “mal quase perene” na vida dos paulistanos: falta da água para alimentação e higiene. O Secretário da Agricultura, Gabriel Ribeiro dos Santos, receiava em 1924 que, “ao clamor que se levanta contra a escassez da água, venha juntar-se o terror por uma epidemia que não se possa atalhar de pronto pelas más condições higiênicas das habitações, resultantes da insuficiência, senão falta absoluta de água potável e ausência de canalizações sanitárias de esgotos” (1928b). Durante as estiagens a identidade dos paulistanos era uniformizada pelo signo da carência de água: bairros ricos, pobres, altos e baixos sofriam democraticamente o mesmo problema. A opinião pública não conseguia entender a ausência de respostas efetivas e de longo alcance por parte das instâncias de poder técnico e político para a solução de um problema tão antigo. O editorial do jornal Folha da Manhã, de 18 de agosto de 1925, é eloqüente na manifestação do descontentamento popular:

“São Paulo flagelada: após a crise de energia a falta de água”

“E o povo que se tranqüilize, pois o Governo... estuda...

Pairando como tenebrosa ameaça sobre os habitantes de São Paulo, vinha de há muito, desenhando-se a crise que hoje nos atormenta, causada pela falta de água. (...) Não entra, absolutamente, nas cogitações da engenharia oficial a previsão de tais fenômenos. Logo que eles se declaram, põe-se toda ciência em alvoroço, derrubam-se bibliotecas, edita-se para armar o efeito, uma erudição barata, a fim de procurar estabelecer a tranqüilidade no espírito público.

Em momentos, como o presente, em que medidas de urgência são de impor, declara-se que o governo tem intensificado de forma extraordinária os “estudos” sobre o abastecimento de água. Quer dizer, quando, ansioso, já sentindo os prejuízos da crise que o assoberba, o povo clama por providências, imediatas, responde-se que os poderes públicos... estão “estudando”.

Francamente, tal atitude importa em zombaria à população de São Paulo. Que estudos são esses e que obras, executadas ou em início, que não bastam para conjurar a gravidade de uma situação como a atual?

A falta de água é devida, pontifica o superintendente do serviço de abastecimento de São Paulo, ao extraordinário crescimento de São Paulo, à estiagem e ao calor.


O que imagina qualquer pessoa de mediano bom senso é que todos estes fatores deveriam estar nas previsões da engenharia oficial. Se ela agiu com desconhecimento destes fatores, agiu sem perícia, decretou sua própria falência. E de público vem confessar a improficuidade de sua sabedoria e de seus conhecimentos, apelando para a paciência do povo e exortando-o à parcimônia no consumo de água...

Parcimônia se pode admitir no gasto de energia, no consumo de luz. Como pretender parcimônia no uso da água, elemento essencial pelas suas múltiplas e indispensáveis utilizações, à conservação da saúde pública? (...)

O que urge e o povo exige e espera, são providências imediatas, que venham por cobro à anômala situação. Se não as pode tomar a diretoria da Repartição de Águas, com toda complicação de seu inútil e dispendiosíssimo aparelho burocrático, renda-se à evidência, confesse-se vencida, mas não venha engambelar o povo atribuindo a culpa ao crescimento da cidade, à estiagem e ao calor, de um mal cuja responsabilidade se deve unicamente à imprevidên-
cia dos poderes públicos. (...) Prepare-se o povo para com paciência, ser parcimonioso no consumo de água "
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2 comentários:

  1. Sobre esse assunto, repito o que eu já li em outras fontes e postei na Climatempo: a vazão do rio Tietê, que ainda não era retificado, chegou a 1/4 do normal. As pessoas podiam atravessá-lo a pé de uma margem a outra, de tanto que o nível da água baixou. Parece que coisa semelhante aconteceu nestas últimas semanas no rio Pardo, próximo a Ribeirão Preto. Vi uma foto no jornal "Agora", com um homem puxando um barco, no meio do rio, com água na altura da canela.

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  2. Pois é Aldo, realmente o Rio Pardo está desse jeito, porém em 1988 o rio ficou quase que todo seco, e em 1963 até os peixes morreram devido a um fiozinho de água que ficou parte do rio. Resumindo tá feio, rs, mas já esteve pior. Abração amigo!

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